segunda-feira, 25 de abril de 2011

Revisão Pediatria: Constipação intestinal em Pediatria.

Texto base: Mauro Batista de Morais
Revisão e Processamento Didático: Conselho Editorial
DIMENSÃO DO PROBLEMA
Constipação intestinal constitui um problema freqüente na população pediátrica. No nosso país, o interesse em definir a prevalência deste problema a nível da comunidade surgiu há cerca de uma década. Posteriormente, confirmou-se que a constipação intestinal acomete parcela considerável das crianças, apesar de grande parte delas não receber nenhum tipo de atenção específica para o controle deste problema. Ao que tudo indica, a heterogeneidade dos critérios para caracterização da presença ou ausência de constipação faz com que as estimativas de prevalência apresentem grande variabilidade, situando-se aproximadamente entre 15 e 30% nos diferentes grupos avaliados em várias regiões do país.
Um interrogatório complementar detalhado e direcionado para o hábito intestinal permite, com certeza, a caracterização de constipação em várias crianças cujas consultas ao pediatra estão sendo realizadas devido a outras queixas principais.
Nos serviços assistenciais, o impacto da constipação na infância pode ser exemplificado pelo fato de 3% das consultas em Pediatria e 25% das consultas em Gastroenterologia Pediátrica terem a constipação intestinal como motivo principal.
DEFINIÇÕES
Constipação intestinal é geralmente definida em termos de alteração na freqüência, calibre e consistência das fezes, valorizando-se, também, o esforço ou dificuldade e a dor durante as evacuações.
Um grupo de especialistas brasileiros conceituou constipação como uma síndrome que consiste na eliminação com esforço, de fezes ressecadas ou de consistência aumentada, independentemente do intervalo de tempo entre as evacuações. Dois aspectos deste conceito devem ser ressaltados:
1. freqüentemente, em Pediatria, observa-se constipação mesmo em crianças com freqüência evacuatória maior do que três vezes por semana, aspecto valorizado em muitos estudos estrangeiros;
2. às vezes, nas crianças pequenas, é difícil interpretar com precisão o comemorativo de dor ou dificuldade relatado pela mãe.
Assim, constipação pode ser conceituada como a eliminação de fezes endurecidas, com esforço, dor ou dificuldade, associada ou não a aumento do intervalo entre as evacuações, escape fecal e sangramento em torno das fezes.







É importante, também, definir escape fecal (“soiling”) e encoprese. Na literatura estrangeira, com freqüência, soiling e encoprese são utilizados como sinônimos, em contraposição aos conceitos normalmente adotados em nosso meio, onde ESCAPE FECAL ou SOILING indica a perda involuntária de parcela do conteúdo retal em portadores de constipação intestinal crônica, muitas vezes associada à presença de fezes impactadas no reto e/ou cólon. A encoprese, por sua vez, pode ser entendida, em analogia com a enurese, como sendo o completo ato da defecação, em sua plena seqüência fisiológica, em local e/ou momento inapropriados, sendo, em geral, secundária a distúrbios psicológicos ou psiquiátricos. Rigorosamente, escape fecal deve ser caracterizado somente após o quarto ano de vida; entretanto, em algumas oportunidades, observa-se crianças menores com esta manifestação, principalmente quando o controle esfincteriano ocorreu antes do aparecimento desta manifestação clínica.
Finalmente, o termo INCONTINÊNCIA FECAL fica reservado para a falta de controle esfincteriano decorrente de causas orgânicas, como as anormalidades anorretais e disfunções neurológicas.
Didaticamente, a constipação intestinal pode ser classificada em aguda e crônica. Não existe um limite de duração claramente definido entre as duas, mas, em geral, os estudos clínicos de CONSTIPAÇÃO CRÔNICA exigem o mínimo de um a três meses para caracterizar a cronicidade do processo.
A constipação aguda é observada durante períodos de jejum ou anorexia associados com infecções agudas e, até mesmo, durante mudanças abruptas de ambiente, como pode ser exemplificado pelas pessoas que apresentam aumento do intervalo entre as evacuações no decorrer de uma viagem. Em geral, estes quadros agudos não requerem medidas terapêuticas específicas, sendo reversíveis com a volta à dieta normal e ao estilo de vida habitual.
A constipação crônica pode ser dividida em funcional e orgânica (Quadro 1).
As causas orgânicas podem ser subdivididas em: anormalidades intestinais e extra-intestinais. Dentre as causas orgânicas intestinais destacam-se a doença de Hirschsprung, a estenose retal e o ânus anteriorizado. Dentre as causas extra-intestinais, podem ser mencionados o hipotireoidismo e as encefalopatias crônicas. Certas drogas anticonvulsivantes, anticolinérgicas, sais de ferro, antiácidos (carbonato de cálcio e hidróxido de alumínio) e codeína também podem ocasionar constipação. Inquestionavelmente, mais de 95% das crianças com constipação crônica enquadram-se na constipação crônica funcional.











Quadro 1: Causas de constipação intestinal crônica em pediatria
Constipação crônica funcional
          -  simples
          - complicada
          - oculta
Anormalidades estruturais anorretais e do cólon

· estenose retal ou anal

· má formação anorretal

          - ânus imperfurado
          - ânus ectópico anterior
          - ânus anteriorizado
· aganglionose
          - congênita (doença de Hirschsprung)
          - adquirida
Anormalidades extra-intestinais
· endócrina e metabólica
          - hipotireoidismo
          - diabetes melito
          - hipercalcemia
          - hipocalemia
· neurológica
          - encefalopatia crônica
          - lesão da medula espinhal
          - paralisia cerebral
· drogas
          - sais de ferro
          - antiácidos
          - anticonvulsivantes
          - anticolinérgicos
          - codeína
FISIOPATOGENIA
Com certeza, a constipação intestinal crônica funcional é uma condição clínica resultante da interação de múltiplos fatores.
No passado, foram valorizados os aspectos psicológicos na gênese da constipação, especialmente as atitudes rígidas e coercitivas dos pais durante a fase do treinamento esfincteriano. Este dado discorda da idade de início da constipação, uma vez que mais da metade dos casos de constipação crônica funcional se inicia no primeiro ano de vida, antecedendo, portanto, a época do treinamento esfincteriano.
Os fatores constitucionais têm como base a concentração familiar de constipação. A presença de distúrbio da motilidade intestinal também tem sido apontada como fator etiológico; entretanto, o aumento do tempo de trânsito intestinal observado nesta condição clínica pode ser conseqüência do próprio quadro de constipação.
O medo de evacuar e o comportamento de retenção são fatores observados em grande parcela das crianças com constipação crônica funcional. O comportamento de retenção constitui um dos pontos fundamentais do ciclo vicioso, sendo caracterizado por retenção das fezes, que leva ao endurecimento e aumento das dimensões do bolo fecal; as evacuações tornam-se, pois, muito dolorosas e indesejáveis para a própria criança que, inconscientemente ou deliberadamente, tenta evitá-las. A massa fecal retida e ressecada pode provocar irritação mecânica da mucosa retal, produzindo um líquido fecalóide que é eliminado através do ânus no intervalo entre as evacuações e que mantém suja a roupa do paciente. Constitui o escape fecal que pode ocorrer com freqüência variável, segundo a gravidade do quadro.
Outro fator importante é o dietético. Estudos realizados em nosso meio, constatou que a dieta de crianças com constipação crônica funcional apresenta pequena quantidade de fibra alimentar. Crianças que consomem fibra em quantidade inferior ao mínimo recomendado, apresentam chance quatro vezes maior de apresentar constipação crônica funcional do que aquelas com consumo em quantidade adequada.
Em síntese, a constipação pode ser iniciada a partir de um episódio de evacuação dolorosa, decorrente de uma fissura anal ou endurecimento das fezes durante um período de anorexia, que ocorra em uma criança constitucionalmente predisposta por distúrbio de motilidade intestinal e que venha sendo alimentada com dieta pobre em fibra alimentar.
Estudos de manometria demonstram anormalidades na fisiologia anorretal em portadores de constipação crônica funcional, notando-se, em especial, uma diminuição da sensação de enchimento retal e necessidade de maiores volumes de inflação para desencadeamento do reflexo reto-anal. Estas anormalidades, entretanto, podem ser conseqüência da distensão retal crônica, não constituindo obrigatoriamente uma causa da constipação.
Em resumo, vários fatores participam da fisiopatogenia da constipação, destacando-se o fator constitucional e familiar provavelmente associado a distúrbio da motilidade intestinal, dieta pobre em fibras e o comportamento de retenção desencadeado por episódios de evacuação dolorosa.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
A anamnese e o exame físico devem ser direcionados no sentido de pesquisar evidências das diferentes causas de constipação.
Na ausência de dados característicos a certas condições, como por exemplo, uso de drogas, encefalopatia ou hipotireoidismo, deve prevalecer, inicialmente, a hipótese diagnóstica de constipação crônica funcional. É necessário que o interrogatório alimentar seja ser realizado detalhadamente, pois fornece dados importantes para a prescrição dietética, que sempre faz parte do tratamento da constipação. Quando o paciente apresenta características sugestivas das condições clínicas apresentadas no Quadro 1, os procedimentos diagnósticos e terapêuticos serão realizados de acordo com a hipótese diagnóstica em questão.
As características das fezes podem apresentar grande variabilidade: algumas crianças evacuam diariamente fezes endurecidas em cíbalas, com dificuldade, enquanto outras eliminam, a cada cinco ou sete dias, fezes volumosas e ressecadas, que quase entopem o vaso sanitário.
As manifestações clínicas variam com a idade. Em lactentes, é comum observar-se a eliminação, com dor ou dificuldade, de fezes secas não muito volumosas, logo após o desmame. É importante, nesta fase da vida, a diferenciação entre a constipação e a pseudoconstipação do aleitamento natural exclusivo. A pseudoconstipação caracteriza-se pela eliminação de fezes amolecidas e amorfas, sem dor ou dificuldade, com intervalos prolongados que podem ultrapassar cinco dias. Estes lactentes em aleitamento natural exclusivo não devem receber tratamento para tal situação fisiológica.
Nos pré-escolares é muito comum a ocorrência do comportamento de retenção. O comemorativo de medo para evacuar e atitudes para evitar a defecação são obtidos com facilidade na anamnese. Aversão ao vaso sanitário e tentativas de evacuação em posições e locais não habituais são também relatados com freqüência.
A partir dos quatro ou cinco anos aumenta em freqüência a queixa de escape fecal. Cerca de 40% das crianças com constipação crônica funcional atendidas em Serviços de Gastroenterologia Pediátrica em nosso meio apresentam esta manifestação. Apesar de um longo histórico de constipação, muitas vezes a família só procura atendimento para o problema após o aparecimento do escape fecal, que representa uma importante preocupação para os pais e, em geral, para o próprio paciente; em conseqüência do mesmo, a criança, passa a ser vítima de rejeição no ambiente escolar e, com freqüência, no próprio ambiente familiar.
No exame físico de pacientes graves e com grande impactação de fezes pode-se observar a presença de massas abdominais palpáveis, especialmente no hipogástrio e na fossa ilíaca esquerda. Nesta situação, é fundamental muita atenção e cuidado no acompanhamento a curtíssimo prazo, para não deixar de diagnosticar um tumor abdominal em um paciente constipado. As massas devem desaparecer completamente com a realização da desimpactação. O exame anal pode revelar a presença de fissura, enquanto, ao toque retal, costuma-se observar a presença de fezes endurecidas.
Constipação oculta é a situação na qual a queixa principal do paciente indica outra manifestação, especialmente dor abdominal crônica, fezes com sangue ou escape fecal. No interrogatório específico sobre o hábito intestinal observa-se indícios de constipação. Algumas vezes, principalmente em crianças na idade escolar, os pais não sabem informar com precisão a freqüência de evacuações, a consistência das fezes e outros dados importantes para o diagnóstico, sendo importante que essas informações sejam reavaliadas após um período de observação. O desaparecimento das queixas associadas com a constipação oculta, concomitantemente ao controle da constipação, é considerado o indicador da vinculação da queixa com o distúrbio do hábito intestinal.
Na constipação crônica funcional são descritas, ainda, outras manifestações como anorexia, vômitos, distúrbios da continência urinária e infecções urinárias de repetição, que devem ser avaliadas com a devida prudência, no sentido de oferecer ao paciente atendimento pleno para todos os seus problemas de saúde, além de preservar a relação do médico com o paciente e sua família.
O principal diagnóstico diferencial da constipação crônica funcional é a doença de Hirschsprung.
A doença de Hirschsprung caracteriza-se pela ausência de células ganglionares intestinais em um segmento intestinal de extensão variável, a partir da extremidade caudal do tubo digestivo. Em 80% dos casos compromete o reto e o sigmóide; em 15% a aganglionose se estende até o cólon ascendente e, menos freqüentemente, pode envolver todo o cólon e mesmo o intestino delgado. O quadro clínico clássico consiste em retardo da eliminação de mecônio, constipação desde o primeiro mês de vida, distensão abdominal, déficit de crescimento e eliminação explosiva de gases e fezes após o toque retal. Alguns lactentes podem apresentar diarréia paradoxal como manifestação do grave quadro do megacólon tóxico. O megacólon de segmento ultra-curto pode apresentar manifestações clínicas superponíveis às observações na constipação crônica funcional. Existem controvérsias quanto à possibilidade de identificação do segmento de aganglionose em todos os portadores de aganglionose de segmento ultra-curto, mesmo que se utilize a técnica da acetilcolinesterase. No Quadro 2 são comparadas as características clínicas da constipação crônica funcional e da doença de Hirschsprung. Analisando com atenção este quadro, pode-se concluir que não é possível diferenciar com plena segurança estas duas entidades, sem o emprego de exames subsidiários. É importante notar que, na experiência de Loening-Baucke, autora desse quadro, a freqüência de escape fecal (“soiling”) é maior do que nas observações brasileiras, provavelmente em função de um grau mais elevado de referenciamento.
Quadro 2: Características clínicas da constipação crônica funcional e da doença de Hirschsprung(*)
CONSTIPAÇÃO FUNCIONAL DOENÇA DE HIRSCHSPRUNG
  Menores de quatro anos Desde o nascimento
Início no primeiro ano
Tamanho das fezes
Comportamento de retenção
Massa fecal palpável no abdômen
Fezes na ampola retal
Déficit de crescimento
24%
84%
volumosas
97%
42%
Freqüente
Raro
50%
90%
Normal ou em fita
Raro
95%
Raro
Comum
Maiores de quatro anos Desde o nascimento
Início no primeiro ano
amanho das fezes
Dor abdominal
Comportamento de retenção
Massa fecal palpável no abdômen
Fezes na ampola retal
Escape fecal (soiling)
Déficit de crescimento
10%
49%
volumosas
51%
71%
42%
96%
90%
Raro
53%
67%
Normal ou volumosa
87%
Raro
93%
27%
33%
Raro
(*) Segundo Loening-Baucke (1996)
ABORDAGEM TERAPÊUTICA
O programa terapêutico deverá ser individualizado de acordo com a idade, tipo de alimentação, relações sociais da criança com a família, amigos e dentro do ambiente escolar, e principalmente, com a gravidade do caso.
Conforme já referido, a maior parte das crianças com constipação não recebe nenhum tratamento específico e convive com o problema.
Caso o início do tratamento coincida com a fase de treinamento do esfíncter anal, este treinamento deve ser postergado para um ou dois meses após a normalização do ritmo intestinal.
Na avaliação inicial deve-se decidir qual a terapêutica a ser adotada. Casos leves devem receber, em uma primeira etapa, orientação alimentar baseada na correção de erros alimentares, aumento da oferta de líquidos e fibra alimentar. Deve ser assegurado livre acesso ao banheiro e condições para apoiar os pés durante a defecação. É importante, também, que a criança permaneça por cerca de dez minutos no vaso sanitário após uma refeição, na tentativa de aproveitar o reflexo gastro-cólico como estímulo para a evacuação.
Os pais e o paciente devem ser informados da importância de cada um destes procedimentos, dando ênfase à desmistificação de conceitos falsos relativos à constipação e seu tratamento.
Nos casos mais graves, especialmente os atendidos em ambulatórios especializados, o tratamento da constipação crônica funcional envolve o emprego de laxantes. Os laxantes podem ser classificados em quatro categorias (Quadro 3):
1.  formadores de bolo fecal: o aumento do bolo fecal aumenta o peristaltismo intestinal. Neste grupo estão incluídas as fibras alimentares, definidas como polissacarídeos distintos do amido que não são digeridos e absorvidos, e a lignina,  que não é um carboidrato. As fibras são divididas em solúveis e insolúveis. Ambas podem auxiliar na prevenção e no tratamento da constipação, mas as fibras insolúveis são mais eficazes.
- A celulose, a lignina e uma parcela da hemicelulose são fibras insolúveis, enquanto a pectina, as gomas e outra parcela da hemicelulose são exemplos de fibras solúveis . Vale lembrar que os alimentos possuem, em geral, ambos os tipos de fibras. Os cereais, os grãos, especialmente o feijão e a ervilha verde, tendem a conter maior quantidade de fibras insolúveis, enquanto as frutas e os vegetais contêm predominantemente fibras solúveis.  
Quadro 3: Laxantes empregados no tratamento da constipação intestinal
CATEGORIA MECANISMO DE AÇÃO LAXANTES
FORMADORES DE BOLO FECAL Aumento do bolo fecal e conseqüente aumento do peristaltismo • Fibras alimentares insolúveis
• Fibras alimentares solúveis
LUBRIFICANTES Lubrificação e amolecimento das fezes, sem interferência no peristaltismo • Óleo mineral* • Óleos vegetais (oliva, algodão e milho)
• Vaselina
OSMÓTICOS Aumento da quantidade de água na luz intestinal, com aumento do peristaltismo • Sulfato de magnésio • Leite de magnésia
• Sulfato de sódio
• Lactulose
• Manitol
• Sorbitol
ESTIMULANTES DO PERISTALTISMO INTESTINAL Aumento do peristaltismo por contato direto com a mucosa colônica • Derivados antraquinônicos de plantas (senna, cáscara sagrada) • Óleo de rícino
• Derivados de difenilmetano (fenolftaleína, picossulfato e bisacodil)
*O óleo mineral não deve ser utilizado no primeiro ano de vida em função do risco de aspiração e pneumonia aspirativa.
2. lubrificantes: lubrificam e amolecem as fezes, mas não interferem no peristaltismo intestinal. Óleo mineral, óleos vegetais (oliva, algodão e milho) e vaselina enquadram-se neste grupo.
3. osmóticos: são substâncias não absorvidas pelo intestino que, por força osmótica, aumentam a quantidade de água na luz intestinal, acarretando estímulo do peristaltismo. Nesta categoria enquadram-se o sulfato de magnésio, o leite de magnésia, o sulfato de sódio, a lactulose, o manitol e o sorbitol.
4. estimulantes do peristaltismo intestinal: aumentam o peristaltismo por contato direto com a mucosa colônica. Incluem os derivados antraquinônicos extraídos de plantas (senna, cáscara sagrada), o óleo de rícino e os derivados de defenilmetano (fenoftaleína, picossulfato e bisacodil).
Os produtos comercializados contêm, por vezes, uma mistura de vários agentes laxantes pertencentes aos diferentes grupos acima mencionados. De uma forma geral, não é recomendável o emprego prolongado de estimulantes do peristaltismo intestinal no tratamento da constipação crônica funcional de crianças, mesmo porque esses produtos provocam cólicas abdominais em parcela considerável dos pacientes.
A catarse inicial deve ser indicada em todos os pacientes que apresentam fezes impactadas, com o objetivo de eliminar as fezes ressecadas retidas no reto e colo, permitindo a ação adequada das outras medidas terapêuticas. Em nosso ambulatório, são utilizados enemas osmóticos de fosfato (Fleet enema®) ou sorbitol (Minilax®), realizados uma vez ao dia. É recomendável que os enemas sejam realizados no ambulatório, especialmente o enema de fosfato, com atenção redobrada caso não ocorra completa eliminação do volume administrado. O esvaziamento reto-colônico geralmente é conseguido após dois a quatro dias; entretanto, casos mais graves podem requerer, entretanto, um período mais prolongado. Deve-se suspender os enemas esvaziatórios quando o paciente eliminar fezes amolecidas, uma ou duas vezes ao dia; prossegue-se, então, com o tratamento de manutenção.
O tratamento de manutenção inclui todas as medidas recomendadas para os casos leves e o correto emprego de laxantes.
Costuma-se empregar um dos seguintes laxantes: óleo mineral, leite de magnésia ou lactulose. A dose varia de acordo com a gravidade e a resposta de cada paciente, devendo, portanto, ser reavaliada em consultas realizadas a curto prazo. Pode-se utilizar 1 a 2 ml/kg de peso de óleo mineral ou leite de magnésia como referência para a dose inicial. Não é necessário, geralmente, ultrapassar a dose diária total de 40 ml. O objetivo é a ocorrência de uma a duas evacuações amolecidas por dia e completo esvaziamento do intestino grosso terminal, evitando, assim, a possibilidade de reimpactação fecal. A dose de 1 ml/kg/dia costuma ser suficiente para grande parte dos pacientes.
Com relação à dieta, esta é a medida mais importante para assegurar o controle da constipação a longo prazo. Deve-se ter em mente as dificuldades que o paciente e a sua família têm para promover mudanças nos hábitos dietéticos, no sentido de aumentar a quantidade de fibras na alimentação. Dependendo da idade do paciente, os seguintes alimentos devem ser incluídos ou aumentados na alimentação: feijão, ervilha, lentilha, grão de bico, pipoca, verduras, frutas, aveia em flocos, ameixa preta. Farelo de trigo e produtos comercializados ricos em fibras podem ser utilizados, mas nem sempre são aceitos com facilidade pelos pacientes. Ainda não existem informações sobre a quantidade terapêutica de fibra necessária para tratamento da constipação intestinal; provavelmente, essa quantidade, é variável, na dependência da gravidade da constipação e da resposta fisiológica individual.
Até há poucos anos não existiam recomendações em relação ao consumo de fibra alimentar para crianças normais. Recentemente, foi publicada uma recomendação que vem sendo aceita na literatura, ou seja, crianças normais com idade superior a dois anos devem consumir diariamente, no mínimo, quantidade de fibras equivalente a: Consumo diário de fibras = idade em anos + 5 (resultado expresso em gramas)
Deve-se levar em conta, também, que as diversas tabelas apresentam valores discrepantes referentes ao teor de fibra de um mesmo alimento, o que pode dificultar a orientação dietética.
CONDUTA NA FALHA DO TRATAMENTO
A principal causa de falta de resposta ao tratamento é sua realização de forma inadequada. Com freqüência, a família não segue, ou a criança não aceita as recomendações dietéticas, e os laxantes não são administrados adequadamente. O emprego dos laxantes deve ser diário e muitas vezes os pais, imaginando que esse procedimento possa deixar o intestino “mal acostumado”, suspendem os medicamentos quando a criança começa a evacuar, voltando a utilizá-los apenas quando o paciente permanece alguns dias sem evacuar. Neste momento já pode ter havido reimpactação e o mesmo laxante deixa de proporcionar o efeito desejado. Em alguns casos observa-se prescrição de doses aquém do necessário ou por períodos muitos curtos. Apesar de não serem disponíveis muitos estudos a respeito da duração do tratamento, vários pacientes necessitam, nos serviços de referência, do uso contínuo de laxantes por mais de seis meses.
Quando um paciente não evolui bem com o tratamento realizado de maneira correta, devem ser indicados exames subsidiários para investigação. Vários métodos são encontrados na literatura, como a eletromiografia superficial do períneo, defecograma, estudo do tempo de trânsito intestinal e teste de eliminação de balão colocado na ampola retal. Em nosso meio, porém, os procedimentos realizados com maior frequência são a radiologia, a manometria anorretal e biópsia retal. A radiografia simples de abdome pode auxiliar na avaliação de constipação oculta e na verificação da eficácia dos procedimentos de desimpactação reto-colônica. O enema opaco deve ser realizado sem preparo, permitindo a caracterização de megacólon e a identificação de segmento estreitado de aganglionose na doença de Hirschsprung, exceto nos casos de segmento curto e ultra-curto.
A manometria anorretal permite a identificação de várias anormalidades presentes na constipação funcional, no que se refere à pressão de repouso do esfíncter anal, pressão de contração anal voluntária, sensibilidade e complacência retais; costuma haver redução da sensibilidade retal à insuflação do balão. Do ponto de vista diagnóstico, a pesquisa do reflexo de relaxamento do esfíncter anal interno, desencadeado pela distensão da ampola retal, é um dos dados mais importantes, pois na doença de Hirschsprung este reflexo não está presente. Para descartar a doença de Hirschsprung, a análise, pela técnica da acetilcolinesterase, de espécimes da mucosa retal obtidos por biópsia apresenta grande valor diagnóstico.
Pode-se verificar, na literatura internacional, um grande entusiasmo com o emprego do biofeedback no tratamento da constipação crônica funcional grave, especialmente na parcela de pacientes portadores de contração paradoxal do esfíncter externo do ânus durante as tentativas de defecação; esta situação é denominada dissinergia de assoalho pélvico. O biofeedback consiste numa série de sessões nas quais o paciente realiza treinamento para controlar a contração e o relaxamento da musculatura estriada do assoalho pélvico e do esfíncter externo do ânus, sob controle de manometria anorretal. Entretanto, os resultados dos estudos publicados por alguns grupos, com experiência nesta modalidade de tratamento, não permite que se conclua de forma definitiva por sua real eficácia no tratamento da constipação crônica funcional grave, associada ou não à dissinergia de assoalho pélvico.
Para finalizar, deve-se enfatizar que a melhor maneira de controle da constipação crônica funcional é a completa sensibilização da família e do paciente para a plena obediência ao tratamento dietético e laxativo preconizado, evitando, ainda, que o tratamento seja suspenso precocemente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Maffei HVL, Moreira FL, Kissimoto M, Chaves SMF, Faro SE, Aleixo AM. História clínica e alimentar de crianças atendidas em ambulatório de gastroenterologia pediátrica com constipação intestinal crônica funcional e suas possíveis complicações. Jornal de Pediatria 70:280-286, 1994.
Morais MB, Fagundes-Neto U. Constipação em Pediatria. Pediatria Moderna 31:1030-1043, 1995.
Morais MB, Vítolo MR, Aguirre ANC, Medeiros EHGR, Antoneli EMAL, Fagundes-Neto U. Teor de fibra alimentar e de outros nutrientes na dieta de crianças com e sem constipação intestinal crônica funcional. Arquivos de Gastroenterologia 33:93-101,1996.

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