terça-feira, 3 de maio de 2011

ARTIGO DE REVISÃO: Alterações da personalidade no lúpus eritematoso sistêmico(*)

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Revista Brasileira de Reumatologia

Print version ISSN 0482-5004

Rev. Bras. Reumatol. vol.45 no.5 São Paulo Sept./Oct. 2005
doi: 10.1590/S0482-50042005000500006
ARTIGO DE REVISÃO REVIEW ARTICLE
Alterações da personalidade no lúpus eritematoso sistêmico(*)
Personality disorders in systemic lupus erythematosus
Danusa Céspedes Guizzo AyacheI; Izaías Pereira da CostaII
IMédica psiquiatra; professora de Psiquiatria da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS); supervisora da residência médica em Psiquiatria da UFMS; mestranda em Ciências da Saúde pelo Programa Multiinstitucional de Pós-Graduação em Ciências da Saúde (UNB-UFG-UFMS) IIMédico reumatologista; professor adjunto de Reumatologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS); doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP); coordenador do programa de residência médica em Reumatologia do NHU/UFMS
Endereço para correspondência

RESUMO
O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença auto-imune de natureza crônica e multissistêmica, podendo afetar de forma importante o sistema nervoso central (SNC). Embora bastante freqüentes, as alterações de personalidade ainda não foram bem estudadas nessa população. Este é o principal objeto de estudo deste artigo de revisão, que verificou a divergência entre os autores quanto à importância dos traços de personalidade e suas alterações no desencadeamento e evolução da doença lúpica. Há controvérsia, ainda, sobre a etiologia das alterações de personalidade no LES, questionando-se se estas ocorreriam pelo estresse psicológico imposto pela patologia, pela atividade da doença no SNC, ou, ainda, pelo uso de medicamentos, como os glicocorticóides. Há necessidade, portanto, de novos estudos que venham a elucidar estas questões.
Palavras-chave: lúpus eritematoso sistêmico, alterações da personalidade.

ABSTRACT
Systemic lupus erythematosus (SLE) is a chronic and multisystem autoimmune disease that seriously affects the central nervous system (CSN). Although highly frequent, personality disorders have not been well studied in this population. This is the central target of this revision article, where we can see disagreement between many papers about the importance of personality traits and its alterations in the arising and evolution of the disease. There is controversy, too, about the etiology of personality disorders in SLE, questioning if they occur because of psychological stress, disease activity in the CSN or even for the use of corticosteroid therapy. To clarify these questions we certainly need further studies.
Keywords: systemic lupus erythematosus, personality disorders.

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica, multissistêmica, de causa desconhecida e natureza auto-imune, caracterizada pela presença de diversos auto-anticorpos. Evolui com as mais variadas manifestações clínicas, e com períodos de exacerbação e remissão(1).
Por ser uma doença de comprometimento sistêmico e, às vezes, de início abrupto, já foi chamada de "epilepsia do sistema imune"(2). Em decorrência de seu polimorfismo clínico, os quadros costumam ser complexos e de difícil reconhecimento, o que contribui para deixar de se fazer o diagnóstico precoce e a instituição da terapêutica adequada que, certamente, modificaria a evolução clínica dos pacientes.
Segundo Bonfá e Borba Neto(3), o LES acomete uma em cada 1.000 pessoas da raça branca e uma em cada 250 pessoas negras. Embora pareça ser mais prevalente na raça negra, pode ocorrer em todas as etnias e regiões geográficas. Existe, também, uma prevalência importante em algumas famílias (10% a 20% dos pacientes com LES têm uma história familiar de doença auto-imune). Verificamos, ainda, que a doença tem prevalência maior no sexo feminino, principalmente durante a idade fértil (os sintomas geralmente se iniciam durante a 2ª ou 3ª décadas de vida).
Sua etiologia é ainda obscura. Hoje, há consenso entre a comunidade científica(1,3,4) quanto à origem multifatorial da doença, envolvendo fatores hormonais (estrogênio), genéticos, ambientais (radiação ultravioleta, medicamentos), infecciosos (virais?), e estresse psicológico. Este último fator é considerado, por muitos estudiosos, como de particular importância no desencadeamento da doença e de suas agudizações(2,5,6).
A fisiopatologia do LES caracteriza-se por formação de imunocomplexos constituídos por autoanticorpos e auto ou heteroantígenos que se depositam na parede de vasos de pequeno e médio calibres, em território da microcirculação. Estes, após a ativação do sistema de complemento, ativam os mediadores da inflamação, produzindo ao final um processo de vasculite leucocitoclástica, com freqüente necrose da parede vascular e dos tecidos por ela nutridos, gerando alterações estruturais e funcionais em vários órgãos ou sistemas, como o ósteo-articular e o renal(4,7).
O sistema nervoso central (SNC) é freqüentemente atingido, gerando sintomas neurológicos e/ou psiquiátricos, tais como: convulsões, cefaléia, síndrome orgânica cerebral e psicose(3). Alguns trabalhos têm correlacionado estas manifestações clínicas à presença de alguns anticorpos, como o anti-P ribossomal, anti-SSA, anti-DNA, anticardiolipina e antifosfolípides, entre outros(4,8,9). Especula-se ainda que a ativação do sistema imunológico, como ocorre em doenças auto-imunes, possa resultar em alterações em neurotransmissores e, conseqüentemente, em comportamentos(10).
Os atuais critérios de classificação do LES do Colégio Americano de Reumatologia (ACR), atualizados por Hochberget al. em 1997(11), consideram como manifestações neuropsiquiátricas do LES apenas quadros psicóticos ou convulsivos. Estes critérios são considerados incompletos por vários autores, que alegam que muitas outras manifestações neuropsiquiátricas podem ocorrer em pacientes lúpicos, relacionadas à atividade da doença no SNC(6).
Em 1999, um subcomitê do ACR classificou 19 síndromes neuropsiquiátricas relacionadas ao LES. Entre elas, foram classificadas como síndromes psiquiátricas relacionadas ao comprometimento do SNC: estado confusional agudo, distúrbios cognitivos, psicose, transtornos de humor e de ansiedade(1).
Apesar do aprimoramento dos estudos sobre as manifestações neuropsiquiátricas do LES, verificamos que ainda há poucas referências a sintomas bastante observados por clínicos que convivem freqüentemente com estes pacientes: as alterações de personalidade. É este o principal objeto de estudo deste trabalho de revisão.
PERSONALIDADE: O NORMAL E O PATOLÓGICO
Personalidade, de acordo com a etimologia (persona é o nome que davam à máscara usada pelos atores do teatro greco-romano), é a forma como a imagem da pessoa impressiona os demais(12).
Para a psiquiatria atual, o termo "personalidade" pode ser definido como a totalidade de traços emocionais e comportamentais que caracterizam o indivíduo na vida cotidiana, sob condições normais; é relativamente estável e previsível. Já o transtorno de personalidade seria a variação destes traços de caráter que vai além da faixa encontrada na maioria dos indivíduos. Apenas quando estes traços são bastante inflexíveis e mal-ajustados constituem uma classe de transtorno de personalidade(13).
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS)(14), transtornos de personalidade diferem de alteração de personalidade pelo tempo e modo de seu aparecimento: eles são condições de desenvolvimento, que aparecem na infância ou adolescência e continuam pela vida adulta. Em contraste, a alteração de personalidade é adquirida, usualmente, durante a vida adulta, seguindo-se ao estresse grave ou prolongado, privação ambiental extrema, transtorno psiquiátrico sério ou doença ou lesão cerebral. A Classificação Internacional de Transtornos Mentais e de Comportamento (CID-10), em vigor há dez anos, codifica como transtorno orgânico de personalidade o quadro clínico em que há uma alteração de personalidade em decorrência de uma condição médica geral. Este transtorno caracteriza-se pela acentuada mudança no estilo e traços de personalidade, a partir de um nível anterior de funcionamento. O paciente deve apresentar evidências de um fator orgânico causal precedendo o início da alteração da personalidade(14).
Embora as alterações de personalidade tenham sido excessivamente estudadas nos pacientes com artrite reumatóide (AR), encontramos poucos trabalhos com este enfoque nos pacientes com LES. As pacientes lúpicas teriam um padrão característico de personalidade? A atividade da doença, o estresse psicológico imposto por esta e as medicações usadas no tratamento provocariam alterações em sua personalidade? São questões que procuramos verificar nesta revisão bibliográfica.
REVISÃO DA LITERATURA
Liang et al.(15) estudaram aspectos psicológicos de voluntários com LES e AR, utilizando entrevistas estruturadas e testes padronizados para avaliação de personalidade. Não encontraram diferenças significativas entre os grupos. A perda de função física, de independência e de interação social foram os temas mais levantados nas entrevistas. Foram relatadas, também, relações alteradas com cônjuges e familiares, sugerindo isolamento e conflitos. Entretanto, para os pacientes lúpicos as questões emergentes foram: receio de morte, fadiga, interferência no planejamento familiar e gravidez, alterações da aparência desencadeadas pela doença ou pelo uso de corticoesteróides e necessidade de prevenção dos raios solares. Observou-se, ainda, neste estudo, que os dois grupos tinham escores elevados para hipocondria, depressão e histeria. Muitos pacientes enfatizaram a importância de sua relação com os médicos, sendo uma abordagem compreensiva considerada importante para o ajuste psicológico e social requerido pela doença.
Segundo Cabral et al.(16) as conseqüências psicológicas e sociais de uma doença são dependentes de vários fatores, como gravidade da doença, sua fase evolutiva, estilo de vida e, essencialmente, da personalidade do enfermo. As características da personalidade podem propiciar o desencadeamento da doença ou até mesmo o agravamento do quadro clínico, ensejando condutas que dificultam a recuperação.
Liang et al.(17) desenvolveram uma escala para avaliar a atividade sistêmica do lúpus, a Systemic Lupus Activity Measure (SLAM). Nessa escala, sintomas depressivos leves e alterações de personalidade são considerados sinais de disfunção cortical e denotam uma atividade da doença em grau leve.
Lim et al.(18) realizaram um estudo de caso-controle comparando a morbidade psiquiátrica de pacientes lúpicas de origem oriental. Entrevistaram 30 pacientes com LES em Londres e Cingapura. As pacientes residentes em Cingapura apresentaram maiores índices de morbidade psiquiátrica em relação às residentes em Londres. Foi encontrada uma correlação significativa entre a presença de sintomas psiquiátricos e a atividade lúpica. Os autores consideraram ainda que fatores culturais e o estresse psicológico relacionado à doença contribuíram de forma importante para o desenvolvimento das manifestações psicopatológicas.
Braden(19) acompanhou 291 pacientes com LES antes e após um curso de orientação sobre a doença e seu tratamento. Antes do curso, o autor encontrou elevados índices de incerteza, depressão, sensação de incapacidade e menos valia entre os pacientes. Todos estes sintomas tiveram melhora após as orientações, sessões de psicoterapia e técnicas de relaxamento. Os pacientes passaram a compreender melhor a doença e a seguir corretamente as orientações médicas.
Waterloo et al.(20) avaliaram o estado psíquico de 30 pacientes utilizando um questionário para avaliar o estado de saúde global e o Inventário Multifásico de Personalidade de Minnesota (MMPI). Cerca de 50% das pacientes apresentavam algum distúrbio psiquiátrico, sendo a depressão o mais prevalente (28% dos casos). Dificuldades no relacionamento social, desconforto em situações sociais e humor depressivo foram freqüentes e associados com alterações da pele e das articulações.
Onda e Kato, no Japão, avaliaram 24 pacientes internados e 6 em nível ambulatorial, sendo que todos apresentavam alguma sintomatologia psiquiátrica. Os sintomas mais prevalentes foram classificados como "neuróticos" (33,3%), seguidos pelos de humor (23,3%). Em 37,8% dos casos os sintomas ocorreram durante a fase ativa do LES (início ou recorrência da doença)(21). Os sintomas neuróticos, segundo alguns autores, seriam uma tendência a ficar preocupado, extremamente inseguro, ansioso e afetivamente lábil. O neurotismo (ou neuroticismo) é considerado um traço comportamental, ou seja, um traço de personalidade(22,23).Os autores deste estudo(21), portanto, encontraram evidências de alterações de traços de personalidade no curso da doença lúpica. Consideraram, ainda, que o LES tem um "efeito desintegrador sobre o ego" do paciente, permitindo a emergência de vários fenômenos psicopatológicos. Além disso, fatores adicionais como comprometimento orgânico secundário, estrutura de personalidade e influências ambientais podem desencadear um quadro psiquiátrico.
Segui et al.(24), em estudo longitudinal, avaliaram 20 pacientes com LES em fase ativa da doença, aplicando escalas psicológicas e psiquiátricas. As avaliações foram repetidas após um ano, quando todas as pacientes se encontravam em fase inativa. No episódio agudo, 40% dos casos apresentavam sintomas psiquiátricos, sendo os mais prevalentes os ansiosos e depressivos. Na segunda avaliação, quando as pacientes se encontravam em inatividade, apenas 10% apresentavam sintomatologia psiquiátrica significativa; além disso, mostravam níveis mais baixos de estresse psicológico, maior atividade ocupacional e melhor funcionamento global. Entretanto, não houve diferenças estatisticamente significativas nos índices de prejuízo cognitivo, depressão e debilitação física entre as fases ativa e inativa da doença.
Sato(26), em estudo de revisão sobre manifestações psiquiátricas da corticoterapia, afirma que o uso de glicocorticóides pode ocasionar inúmeros sintomas psiquiátricos. Entre estes, podemos citar a labilidade emocional, depressão, distração e perplexidade, que podem ser consideradas alterações de personalidade. Entretanto, no LES e em outras patologias auto-imunes é muitas vezes difícil diferenciar se os sintomas estariam sendo causados pela medicação ou pela atividade da doença no SNC.
Santoantonio(25) realizou, no Brasil, um estudo comparando um grupo de adolescentes (12 a 17 anos) com LES com um grupo controle. Avaliou aspectos da personalidade destas pacientes utilizando um teste projetivo, oRorschach. As pacientes com LES apresentaram elevada interiorização dos afetos, maiores dificuldades no manejo do estresse, baixa auto-estima e autopercepção, embora não tenha sido encontrada diferença estatística significante entre os grupos.
Bae et al.(27) fizeram um estudo multicêntrico retrospectivo, nos EUA, avaliando 200 pacientes em cinco centros de tratamento. Foram analisadas variáveis demográficas, clínicas, socioeconômicas, psicossociais e a atividade da doença. Pacientes com maior suporte social (brancos, de classe média, com seguro de saúde) e baixa atividade da doença tiveram uma melhor evolução do quadro, com saúde mental mais preservada.
No Japão, Ishikura et al.(28) avaliaram 84 pacientes ambulatoriais, do sexo feminino, em torno de 20 anos de idade. Foram estudadas características psicológicas como traços de ansiedade, sintomas depressivos e ideação suicida. Os autores verificaram que as pacientes que consideravam não terem entendido a doença no momento do diagnóstico e início do tratamento, tinham maior incidência de sintomas depressivos e ansiosos. A ausência de um companheiro também teve correlação significativa com sintomas depressivos. O conhecimento dos efeitos colaterais dos corticoesteróides correlacionou-se com sintomas de ansiedade. Dificuldades na relação com os familiares e uso de altas doses de corticóides tiveram uma correlação com ideação suicida. Os autores não encontraram, ainda, relação entre as características psicológicas e atividade da doença. Concluem que abordagens direcionadas a uma melhor compreensão da doença pelas pacientes, orientações quanto ao relacionamento familiar e esclarecimentos em relação à corticoterapia seriam benéficos.
Dobkin et al.(29) estudaram 120 pacientes do sexo feminino com LES, provenientes de várias clínicas reumatológicas do Canadá. Avaliações padronizadas do funcionamento psicossocial das pacientes foram feitas no início do estudo, e após 3, 9 e 15 meses. Os pesquisadores observaram que, apesar das flutuações na atividade da doença, a maior parte das pacientes cooperava adequadamente com o tratamento. Em 40% dos casos, entretanto, verificou-se um estresse psicológico importante e foi sugerida uma maior intervenção psicossocial.
Ward et al.(30) realizaram, nos EUA, um estudo que visava determinar se o estresse psicológico causaria mudanças na atividade do LES. Examinaram 23 pacientes, prospectivamente, por 40 semanas, aplicando de 2/2 semanas escalas para avaliar depressão, ansiedade e atividade lúpica. Mudanças nos sintomas depressivos e ansiosos foram correlacionadas à atividade da doença.
Yuko et al.(31) avaliaram, também de forma prospectiva, 279 pacientes do sexo feminino estudando a correlação de fatores psicológicos com o estado físico e mental das pacientes. Encontraram, ainda, uma correlação significativa da atividade da doença e sintomas neuróticos. Os autores concluíram, por meio dos dados levantados, que fatores psicológicos, como traços de personalidade, têm efeito tanto no desenvolvimento da doença como em mudanças no estado físico das pacientes.
Martins et al.(32) fizeram, em Portugal, um estudo correlacionando personalidade e reatividade neuroendócrina no LES. Utilizaram o teste de resposta do hormônio adrenocoticotrófico (ACTH) ao hormônio liberador de corticotrofina (CRH) e a aplicação do Inventário multifásico de avaliação de personalidade de Minessota (MMPI), entre outras avaliações clínicas e laboratoriais. Os pacientes com LES apresentaram níveis baixos de deidroepiandrosterona e escores neuróticos elevados. Respostas altas do ACTH ao CRH correlacionaram-se com escores neuróticos mais baixos; entretanto, escores de neuroticismo mais altos não foram correlacionados a reduções significativas da resposta do ACTH ao CRH.
Trysberg e Tarkowski(33) fizeram uma revisão sobre estudos recentes relacionados ao acometimento do SNC pelo LES. Os trabalhos evidenciaram alterações imunológicas (polimorfismo da apolipoproteína E; presença de anticorpos antifosfolípides pró-trombóticos; presença de anticorpos anti-ribossomo P; anti-neuronais e anti-DNA; aumento dos níveis de interleucina 6 e substâncias correlatas no LCR); bioquímicas (aumento dos níveis de enzimas proteolíticas, como a metaloproteinase da matriz sérica - MMP-9, que levaria ao aparecimento de lesões neurodegenerativas; presença de moléculas solúveis indicando destruição neuronal, como neurofilamentos); de neuroimagem (lesões isquêmicas focais, atrofia cortical, dilatação ventricular e outras) e neuropsicológicas (disfunções cognitivas e alteração comportamental). Os autores enfatizaram que as alterações neuropsiquiátricas do LES podem se manifestar inicialmente de forma sutil, como leves disfunções cognitivas ou discretas alterações do comportamento. A detecção precoce dessas alterações por testes neuropsicológicos seria importante para que se tentasse, por meio do tratamento, impedir a progressão da lesão do SNC.
Nery et al.(34) também realizaram uma revisão de estudos sobre a associação ou influência do estresse psicossocial em pacientes com LES. Verificaram que a maioria dos estudos não encontrou associações entre o estresse e a piora da atividade clínica ou laboratorial do LES. Alguns autores encontraram associação entre a presença de estresse e uma pior percepção da saúde física pelo paciente. Diferenças relacionadas à resposta do paciente ao estresse podem ser decorrência das características individuais de personalidade.
Concluindo, o conhecimento das características de personalidade é fundamental para a compreensão da forma pela qual um indivíduo pode lidar com o estresse psicológico desencadeado pelas manifestações de uma doença e seu tratamento, ou outras situações estressantes que podem ocorrer em seu ciclo vital.
Fazendo uma síntese dos estudos relatados, verificamos que vários autores concluíram, por meio de seus estudos, que os fatores psicológicos (incluindo traços de personalidade) têm importância como codeterminantes, desencadeantes, exacerbadores ou patoplásticos da doença lúpica. Alguns verificaram ainda que alterações de personalidade podem ser decorrentes do estresse psicológico imposto pela patologia, da atividade da doença no SNC e/ou do uso de medicações como os imunossupressores e corticóides.
A revisão de literatura, portanto, não nos permitiu responder às questões levantadas. Os estudos são inconclusivos quanto à presença de um padrão de personalidade nas pacientes lúpicas. Quanto às alterações de personalidade desencadeadas pela doença ou uso de medicação, os resultados dos trabalhos são ainda controversos: alguns autores encontraram esta correlação, outros não.
A avaliação da personalidade da paciente lúpica é bastante complexa, em razão da variedade de fatores que podem lhe causar interferência. Assim sendo, fazem-se necessários mais estudos que se proponham a elucidar essas questões.
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Endereço para correspondência: Dr. Izaías Pereira da Costa Rua Airton Rodrigues Leite, 67 CEP 79022-066. Campo Grande, MS, Brasil Tel. 55 (67) 326-5100 e-mail: izapec@brturbo.com
* Trabalho realizado no Departamento de Clínica Médica do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Campo Grande, MS, Brasil. Recebido em 27/01/2005. Aprovado, após revisão, em 09/08/2005.
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